Ritmos hormonais e Performance Esportiva

A cronobiologia é um fenômeno biológico relacionado ao tempo, a qual refere-se ao ciclo realizado pelas funções do organismo, como a secreção de hormônios, que ocorre de forma sincronizada, permitindo a harmonia dos sistemas. Este ritmo é parte de uma herança genética e está relacionada ao nosso relógio biológico que atua na regulação destes ritmos, porém pode apresentar variações devido a interação com fatores endógenos e exógenos chamados de sincronizadores, os quais são capazes de alterar parâmetros previamente organizados. 

Dentre estes fatores que podem causar a perda ou a mudança dos ritmos circadianos normais do organismo pode-se mencionar o período de sono e vigília, a periodização do consumo alimentar e principalmente, a rotina diária de exposição à luz e à escuridão, que participa de forma direta e indireta do ritmo endócrino, excitando os receptores de luz localizados no hipotálamo do SNC e pelas variações na secreção de melatonina através da inibição de luz e do seu estímulo pela escuridão, respectivamente. 

Um estudo realizado em homens e mulheres ciclistas encontraram uma relação entre esta exposição à luz e a performance, estando significantemente ligados à regulação do metabolismo energético envolvido no exercício físico. Desse modo, diante de alterações nesta relação e consequente ruptura da sincronização do relógio biológico, o desempenho do atleta pode ser prejudicado. 

Além disso, a dessincronização dos ritmos endócrinos do organismo pode ocorrer, alterando assim a regulação dos processos metabólicos para o fornecimento de energia e favorecendo o desenvolvimento de doenças metabólicas e endócrinas, como diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares. 

Outro estudo observou que essa dessincronização em jovens adultas que trabalhavam em turnos noturnos devido prolongada exposição à luz e ruptura do período de sono realizado durante a noite e de vigília durante o dia, levou a elevados riscos de câncer, principalmente de câncer de mama. Dessa forma, ressalta-se a importância do cuidado com atletas adolescentes em relação à hábitos que comprometem a sincronização destes dos genes do relógio biológico, causando prejuízos à saúde.          

Nesse sentido, sabe-se que existe um ciclo circadiano capaz de beneficiar a performance física, sendo o esporte um dos fatores capazes de manter ou romper a organização temporal do organismo. Sendo assim, picos de desempenho físico podem ser dependentes do tipo de esporte praticado e diferir ao longo do dia devido às interações entre o ritmo fisiológico, como a coordenação dos músculos e o tempo de reação; psicofisiológico, como a sensação de bem-estar, atenção, vigor e preparo cognitivo e metabólico, como a produção de calor e o consumo de oxigênio, juntamente com o ritmo cardiovascular. 

Ainda assim, para a performance esportiva é necessário conhecer o cronotipo de cada atleta, podendo ser este diurno ou tardio, visando realizar o exercício no período em que cada atleta se sente mais disposto. Além do mais, parece que o ciclo circadiano difere entre os esportes, como no futebol americano que possui seu pico de performance das 16 às 20h, na natação das 20h em diante e no basquete, durante a tarde comparado ao desempenho pela manhã.            

Dessa forma, os atletas e preparadores físicos devem levar em consideração a fisiologia dos ritmos circadianos do organismo no planejamento de treinos e competições com o objetivo de associá-los ao desempenho físico, para que esteja o mais próximo do modelo cronobiológico de cada atleta. 

Os fatores sincronizadores relacionados às atividades esportivas são o cronotipo do atleta, o ciclo luz/escuridão, a alternância entro o período de sono e vigília, período de consumo alimentar, ambiente social e apropriada disponibilidade energética. Já outros dessincronizadores são distúrbios dos hábitos diários, uso de drogas e a prática de doping, viagens com troca de fuso horário devido competições internacionais, baixa disponibilidade energética, estressores psicológicos e carga de trabalho físico.      

Eventos traumáticos dentro da prática esportiva, principalmente relacionado ao cérebro, é capaz de romper esta sincronia dos ritmos endócrinos dos atletas, gerando estresse oxidativo e citotoxicidade, os quais levam à morte neuronal e consequente impacto negativo na performance esportiva. Por este motivo, o ‘American College of Sports Medicine’ considerou a importância do manejo de esportes que resultam nesta fisiopatologia, visando a saúde dos competidores. 

Diante disso, ressalta-se a presença de ritmos endócrinos presentes em alguns dos principais hormônios impactantes na performance esportiva, sendo eles:

– Melatonina: este hormônio é estimulado pela escuridão e inibida pela luz, atingindo seu pico durante a noite e baixos níveis durante o dia. Todavia, observa-se que a realização de treinos e competições no período noturno impacta negativamente o sono do atleta devido a redução dos níveis de secreção de melatonina pela exposição prolongada à luz nesta hora do dia, dessincronizando o ciclo sono/vigília. 

– GH: este hormônio é responsável pelo crescimento, regulação do metabolismo intermediário e funções de organismo, como do sistema cardiovascular, muscular e esquelético. Assim, alterações em seu pico, que ocorre no sono profundo, podem ser devido ao estímulo excessivo da luz e resultar no desequilíbrio do ritmo endócrino do atleta. Por isso, deve-se respeitar o período de sono adequado, permitindo a secreção em níveis suficientes para suas ações anabólicas que favorecem a performance física. 

– Cortisol: este hormônio atua de forma a mobilizar fatores metabólicos e energéticos, contribuindo para uma melhor performance, além de ser sensível a estímulos estressores. Sendo assim, mesmo diante da elevação do cortisol após o exercício, observa-se a manutenção de seu ritmo endócrino em indivíduos bem treinados. 

– Prolactina: este hormônio atinge seu pico durante o sono ou cochilos e apresenta uma sensibilidade à fatores estressantes, os quais aumentam sua secreção, impactando na ritmicidade de alguns hormônios do eixo hipófise-gonodal em ambos os sexos, sendo o estresse durante o esporte um dos componentes indiretos da disfunção deste eixo. 

– Gonadotrofinas e hormônios gonodais: estes hormônios possuem ações anabólicas, podendo os exercícios de alta intensidade e de duração prolongada dessincronizarem ritmos endócrinos, causando a irregularidade menstrual em mulheres e a infertilidade nos homens, por exemplo. Ainda, as variações sazonais destes hormônios devido aos ciclos circadianos podem resultar em alterações na performance, a qual se mantem boa nos meses de pico e reduz sua efetividade nos meses em que os valores destes hormônios estão diminuídos. 

– TSH e hormônios tiroidianos: este hormônio possui ação anabólica, visa a saúde reprodutiva e atinge seus valores por volta das 11h – 12h. Porém, fatores dessincronizadores, como a disfunção da tireoide e o estresse, podem levar a alterações na secreção endócrina do eixo hipófise-adrenal, principalmente em exercícios severos e de longa duração. 

– Leptina: este hormônio possui seu pico durante a noite e é sensível ao estresse, não apresentando mudanças significativas no ritmo diurno de sua concentração devido este fator, porém altera-se na presença de uma baixa disponibilidade energética, estando relacionado ao IMC dos atletas. 

– Grelina: este hormônio participa de processos metabólicos, estando relacionado ao aumento de peso e da adiposidade corporal. Além disso, é um dos sincronizadores do ciclo sono/vigília, favorecendo a performance física adequada em atletas. 

– Insulina: este hormônio, juntamente com a ação da leptina e grelina, asseguram melhores condições metabólicas para a execução de atividades esportivas quando sincronizada corretamente. Todavia, uma dieta rica em gordura impacta negativamente seu ritmo circadiano, além do distúrbio na rotina sono/vigília e da excessiva exposição à luz, prejudicando a performance. 

– Vitamina D: esta vitamina possui uma importante participação na performance física e está significantemente relacionada aos níveis de testosterona, cortisol e à relação cortisol/testosterona, além de ser considerado um marcador de overtraining e do estresse psicofísico. Contudo, estudos comprovam sua comum deficiência em atletas, observando a necessidade de uma terapia repositora, visando otimizar o desempenho destes atletas. 

Sendo assim, diante da importância dos ritmos endócrinos e da necessidade de ressincronizá-los para a recuperação da performance psicofísica do atleta, observa-se a cronoterapia como uma alternativa para combater este cenário. Assim, a modulação nutricional de alguns destes hormônios essenciais no desempenho esportivo permite uma rápida restauração dos ritmos biológicos e a recuperação completa da performance atleta. 

 

Fonte: BELLASTELLA, G. et al. Endocrine rhythms and sport: it is time to take time into account. Journal of Endocrinological Investigation, v. 42, p. 1137-1147, 2019.