Desde muito tempo a microbiota intestinal tem sido relacionada à saúde e performance esportiva, sendo considerada a “condutora da orquestra” da fisiopatologia intestinal do hospedeiro. Atualmente, mediante o desenvolvimento da tecnologia, métodos têm possibilitado a realização de estudos baseados na quantificação dos diferentes metabólitos da microbiota e seu papel na fisiologia, doenças crônicas e desempenho dos atletas. Sendo assim, através de estudos com organismos gnotobióticos (se refere a um organismo modelo que é colonizado com uma comunidade específica de microrganismos conhecidos – isobiótico ou flora animal definida – ou que não contém microrganismos – sem germes -, geralmente para fins experimentais) tem sido possível buscar compreender as estratégias utilizadas visando a modulação de sua composição.
Dessa forma, sabe-se que há uma grande variedade de microorganismos que compõem o trato gastrointestinal (TGI), os quais podem ter origem em mais de 160 espécies diferentes, formando um ecossistema complexo. Entretanto, somente metade desta quantidade encontra-se em diferentes organismos, sendo apenas de 15 a 20 espécies presentes em todos os seres humanos, conservando-se, porém, as funções metabólicas realizadas. Esta diversidade pode ser alterada devido a presença de vírus, o qual promove o desequilíbrio da abundância, perfil genético e expressão dos genes das bactérias da microbiota.
Além disso, ela pode representar 1,5 kg de um indivíduo que pesa 70 kg e sua densidade se modifica ao longo do aparelho digestório, levando em consideração a presença de oxigênio e acidez, sendo as mais dominantes a Bacteroides, Eubacterium, Ruminococcus, Clostridium e Bifidobacterium. Ainda assim, sua relação simbiótica com o organismo traz funções benéficas ao hospedeiro, como seu papel na digestão, regulação da fermentação de substâncias e resíduos não digeríveis e do sistema imune necessário para a barreira da mucosa, facilitando a absorção devido enzimas não presentes nas células humanas e sintetizando vitaminas necessárias ao corpo humano. Todavia, as interações microbiota-hospedeiro são frágeis e podem entrar em desequilíbrio, gerando diversas patologias.
Nesse sentido, a disbiose provocada pela mudança na composição da microbiota impacta negativamente no desenvolvimento de diversas patologias, como doenças intestinais, cardiovasculares, cerebrais, metabólicas e na carcinogênese. Entretanto, os processos inflamatórios de baixo grau, naturalmente produzidos, são essenciais para a ativação do sistema imune e seu consequente controle, enquanto os de alta grau promovem a alteração da permeabilidade intestinal através do desequilíbrio entre bactérias patológicas e benéficas, promovendo a ativação de vias que se desencadeiam em mecanismos autoimunes, inflamatórios e oncológicos.
Além do mais, a alimentação, principalmente a quantidade, tipo e equilíbrio entre os macronutrientes, interfere diretamente na composição da microbiota de forma transitória, podendo caracterizar 20% de suas mudanças estruturais. Estudos têm mostrado que o estilo de vida moderno do ocidente, composto por dietas ricas em gordura e açúcar, promove a alteração da comunidade das bactérias intestinais, tornando o hospedeiro mais suscetível a inflamações, obesidade e demais doenças.
Diante de uma dieta rica em gordura observa-se a diminuição de ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato, aumento da colonização da flora por bactérias anaeróbicas e Bacteroides e da falta de ações anti-inflamatórias que modulam a microbiota de forma benéfica ao organismo. Todavia, mais estudos são necessários para comprovar seu impacto direto ou devido consequente redução do consumo de carboidrato característico da dieta.
O consumo de proteína está positivamente relacionado à diversidade da microbiota, como visto através de um estudo que o uso de whey protein e da suplementação proteina vegetal (ervilha) aumentaram a quantidade de Bifidobactéria e Lactobacillus e reduziram a quantidade das bactérias patogênicas, gerando efeitos anti-inflamatórios e manutenção da barreira da mucosa.
Já os carboidratos (CHO) possuem amidos e açúcares, os quais são degradados no intestino por enzimas e levam ao aumento de Bifidobactéria e reduzem de Bacteroides. Além disso, as fibras não solúveis presentes nestes alimentos ricos em CHO são as maiores fontes de energia para as bactérias do intestino, possibilitando maior variedade, abundância, função e composição da microbiota, sendo consideradas como prebióticas. Além destes, outros prebióticos que podem ser metabolizados são inulina, aveia, grãos de soja e oligossacarídeos, como frutano, polidextrose e frutoolissacarídeos.
Em relação aos probióticos, sabe-se que porções adequadas geram benefícios à saúde do hospedeiro através de alimentos fermentáveis contendo ácido lático, como em derivados do leite e iogurte. Além disso, seu uso pode ser realizado por atletas para o controle de sintomas gastrointestinais e infecções do trato respiratório, aumentando a função da barreira intestinal, da atividade do sistema imune, da produção de muco e reduzindo o pH intestinal, podendo promover modificações na composição da microbiota. Um estudo observou que a suplementação de Lactobacillus plantarum prolongou o tempo até exaustão e diminuiu taxas de lactato durante o exercício, recuperação e consequente dano e marcadores do estresse oxidativo.
Por fim, os compostos bioativos, como polifenóis, carotenoides e tiossulfatos, ácido fenólico e ligninas limitam o estresse oxidativo e aumentam os Bacteroides. Esses compostos (encontrados em frutas, sementes, vegetais, chás, cacau e vinho) e as vitaminas, produzidas diretamente pela microbiota, permitem a modulação intestinal, porém quando suplementadas acima do necessário desregula-se o ambiente e reduz os potenciais benéficos à saúde.
O exercício é benéfico à saúde da microbiota, enriquecendo a abundância de bactérias e de sua diversidade. O treino aeróbico impacta no número de Actinobacteria, Bacteroidetes, Firmicutes, Proteobacteria, and Verrucomicrobia phyla, porém a carga excessiva de treinos prolongados gera uma permeabilidade, levando ao deslocamento de bactérias ao cólon e ativação da inflamação que resulta em sintomas gastrointestinais. Não obstante, a microbiota é essencial para o músculo esquelético e adaptações como resposta ao exercício por meio do controle inflamatório, regulação da disponibilidade de vitaminas produzidas pelas bactérias, da biogênese mitocondrial e da interação com processos anaeróbicos e catabólicos.
Observou-se que os atletas podem possuir maior diversidade de bactérias e que após uma maratona, por exemplo, os níveis de Veillonella atypica aumentou e quando colocada no intestino de animais, melhorou o tempo até exaustão e demonstrou uma conexão com o metabolismo do lactato, sendo diferente devido a necessidade aumentada de energia, ao uso de medicamentos, ao período de competição, a manutenção do índice de massa corporal (IMC) e a uma dieta mais controlada. Todavia, mais pesquisas devem ser feitas para compreender seu impacto em diferentes modalidades esportivas em seres humanos.
Em indivíduos hipoativos, cinco dias sem a prática de exercício induziu à atrofia muscular e constatou-se o desenvolvimento de bactérias da família Lachnospiraceae. Portanto, as bactérias são sensíveis ao sedentarismo. Já em obesos a resposta ao exercício físico é diferente, pois a microbiota entra em disbiose aumentando os estoques de ácidos graxos nos tecidos periféricos e da proporção de Firmicutes/Bacteroidetes relacionado de acordo com o IMC.
Na performance esportiva, em treinos de HIIT a suplementação de semente de linhaça melhorou os níveis de conversão de ácido graxo alfa linolênico, aumentando a abundância de Oscillospira e Prevotella no cólon intestinal, estando este ligado negativamente ao ganho de massa magra e gorda. Entretanto, essa suplementação proposta pode gerar a manutenção de doenças metabólicas, como a obesidade.
Logo, a microbiota é a regente regulatória de mecanismos no organismo e sua manipulação é beneficial à saúde e pode impactar a função de vários tecidos metabólicos do organismo, assim como o intestino, cérebro, músculo e tecido adiposo, estando sob influência de fatores externos como nutrição e exercício físico, sendo a alimentação um determinante para sua composição e abundância. Todavia, mais estudos são necessários para comprovar os mecanismos de impacto diretamente envolvidos na performance esportiva.
Fonte: BOISSEAU, N.; BARNICH, N.; KOECHLIN-RAMONATXO, C. The nutrition-microbiota-physical activity triad: an inspiring new concept for health and sports performance. Nutrients, v. 14, n. 5, p. 924, 2022.