TRAIN THE GUT

Em exercícios endurance observa-se a importância da oferta adequada de líquidos e fontes de carboidrato (CHO) determinantes para o bom desempenho físico. Todavia, episódios de gases, distensão abdominal, cólicas, diarreia e vômitos são comuns nestes casos e por isso, um trato gastrointestinal (TGI) funcionando adequadamente é crucial para maximizar a entrega desse nutriente para o organismo e evitar estes sintomas durante treinos e competições.

Sabe-se que o trato intestinal possui uma alta capacidade de adaptação e que por isso, estratégias que objetivam o treinamento deste para melhor suportar quantidades de CHO ingeridos, evitando os sintomas frequentemente observados, são muito interessantes.

Muitos atletas relatam apresentar esses sintomas adversos no TGI, que são mais frequentes nos exercícios de alta intensidade ou prolongados em condições de alta temperatura, sendo este quadro intensificado na desidratação. Para isto, as diretrizes recomendam o consumo de fluidos durante os exercícios, evitando assim a perda de mais de 2% do peso corporal por meio do suor.

O organismo apresenta um limite de absorção na quantidade de carboidrato por hora, que parece ficar ao redor de 60g CHO/hora (não forma glicose, sacarose, maltose, maltodextrina ou amido). Assim, uma ingestão acima deste valor, pode levar ao acúmulo de CHO no intestino e é capaz de intensificar os sintomas gastrointestinais adversos.

Nesse sentido, estudos têm mostrado que a estratégia de ‘train the gut’ (treinar o intestino) tem sido efetiva no aumento da capacidade de ingestão de altos volumes de CHO em um curto período e na melhora da tolerância, evitando sintomas de desconforto e plenitude, sendo impossível para a maioria dos indivíduos destreinados.

Sabe-se que a glicose e galactose são absorvidos em sua maioria através do lúmen da membrana dos enterócitos por meio de transportadores de glicose dependentes de sódio (SGLT1), não encontrado no intestino grosso e sendo a Na/K+ ATP-ase responsável por controlar a eletroquímica destes gradientes.  Observou-se também que o transportador GLUT2, levado à membrana em situações de altas concentrações de glicose é responsável por transportar os nutrientes de dentro do enterócito para a corrente sanguínea. Este transportador, independente de sódio, pode transportar os 3 diferentes monossacarídeos (glicose, frutose e galactose). Já o transportador GLUT5 é responsável pela frutose e age mais rapidamente. Sendo assim, a regulação destes transportadores é de extrema importância para a absorção efetiva de CHO pelo organismo e para a entrega deste nutriente aos músculos durante o exercício. Entretanto, sabe-se que o transportador SGLT1 apresenta capacidades limitadas desta entrega.

Em um estudo, 16 ciclistas treinados foram separados em grupo controle e grupo com alta ingestão de CHO, ambos com dietas contendo 5g/kg/d, porém o segundo com um adicional de 1,5g/kg por hora de exercício diário, principalmente por meio de bebidas contendo glicose e alimentos ricos em CHO para completar as demandas de ingestão, consumidos no pré, intra e pós-treino. Além disso, o grupo placebo recebeu um suplemento rico em proteína e gordura, sendo a quantidade de CHO limitada, o qual foi consumido somente após o exercício. Este estudo ocorreu durante 28 dias e mediante a rotina de treinos de 16h por semana. Ao final, o grupo controle recebeu 5,3 g CHO/kg/dia e o outro grupo, 8,5 g CHO/kg/dia. Foi possível observar melhora na capacidade de oxidação do CHO no grupo do estudo com suplementação e dieta ricas em CHO devido aumento na absorção deste nutriente pelo organismo proveniente da regulação do SGLT1. Isto porque o aumento do consumo de CHO pode aumentar a abundância e atividades destes transportadores, aumentando sua absorção em um período consideravelmente curto, evitando desconfortos gastrointestinais. Dessa forma, exercícios que requerem o CHO como fonte crucial de energia para uma boa performance, o alto consumo de CHO na dieta é uma estratégia importante a ser considerada e praticada.

Sendo assim, resultados mostram que por meio de uma dieta rica em carboidrato, por no mínimo 2 semanas, é possível aumentar significativamente os níveis dos transportadores SGLT1 no lúmen intestinal. Da mesma forma que uma dieta baixa em CHO, rica em gordura ou cetogênica pode reduzir esta capacidade de absorção durante as competições e elevar o aparecimento de sintomas no TGI, sendo recomendado, portanto, a periodização do carboidrato nos ciclos de treino.

Treinar o intestino antes de competições, visando as adaptações necessárias para o dia, é essencial, pois mesmo com este aumento na capacidade de absorção, altas quantidades de CHO precisam ser melhor toleradas e o esvaziamento gástrico deve ser efetivo, mesmo diante de fatores limitantes, como o calor, alto conteúdo de CHO e exercícios de alta intensidade. Não se sabe ainda o impacto desta estratégia em atletas que já estão seguindo uma dieta alta em CHO, porém em indivíduos não treinados é considerado de grande impacto.

Assim, tendo em vista a capacidade de adaptação intestinal, é crucial a inclusão da estratégia nutricional de ‘train the gut’ mediante o aumento da oferta de alimentos ricos em CHO nas semanas de treinamento e durante a prática do exercício, objetivando melhor tolerância, absorção e oxidação de CHO e menores possibilidades do aparecimento de sintomas gastrointestinais, resultando na melhora da performance.

 

Fonte:  Jeukendrup AE. Training the Gut for Athletes. Sports Med. 2017 Mar;47(Suppl 1):101-110. doi: 10.1007/s40279-017-0690-6. PMID: 28332114; PMCID: PMC5371619.

 

Posts relacionados