Melatonina, a “Nova Vitamina D”?

Devido ao interesse na saúde imunológica provocada pela pandemia e seus efeitos duradouros sobre a saúde mental e distúrbios do sono, a melatonina tornou-se um tópico popular de discussão na mídia, bem como ganhou grande destaque na pesquisa, com vários publicações em constante crescimento a cada ano. Com seu aumento na sua popularidade, preocupação com os níveis baixos e o crescente aumento do mercado de suplementos dietéticos, tem-se sugerido que a melatonina é a “próxima vitamina D”. Porém, é claro, que além das tendências de mercado, existem várias razões científicas que equiparam a importância de ambas:

Com relação as suas funções básicas tanto a vitamina D como a melatonina estão presentes em todos os sistemas orgânicos, agem como hormônios, possuem ação antioxidante e anti-inflamatória e são reguladoras mitocondriais;

Cefaleia latejante, vômitos, edema de mãos e pés, inquietação, fadiga incomum, confusão, desorientação

Tanto a vitamina D como a melatonina são sintetizadas na pele, porém a melatonina é produzida também pela glândula pineal (percebida pela retina do olho) e pelas células enterocromafins do intestino. E embora a glândula pineal receba muita atenção por sua produção, há 400 vezes mais melatonina na mucosa intestinal;

A vitamina D é lipossolúvel e a melatonina é uma molécula anfifílica (possui uma região hidrossolúvel e uma região lipossolúvel);

Ambas atravessam a barreira hematocefálica, seus níveis reduzem com o envelhecimento e a deficiência nutricional oferece grandes riscos à saúde;

Podem ser obtidas pela dieta e as necessidades biológicas podem mudar dependendo do estilo de vida do individuo;

Além do envelhecimento, a produção de melatonina pode ser influenciada por doenças, dieta, fatores ambientais como luz intensa à noite, uso de medicamentos e estilo de vida. Em nosso mundo moderno, talvez o maior contribuinte para o desequilíbrio na produção de melatonina seriam aqueles sujeitos ao jet lag, trabalho em turnos, uso excessivo de luz artificial à noite (por exemplo, de telefones celulares, computadores e fluorescente/LED), ou desafios ao seu ritmo circadiano devido a fatores ambientais ou mudanças sazonais.

Do ponto de vista prático e até clínico, a vitamina D e a melatonina podem atuar como sensores bioquímicos para atender aos requisitos de claro e escuro, respectivamente. Assim, pode ser implícito que a deficiência de vitamina D indica uma “deficiência de luz solar” talvez da mesma maneira que a secreção de melatonina poderia ser afetada por uma “deficiência de escuridão”, onde há superexposição à luz azul artificial à noite, desativando o sinal para a glândula pineal para produzi-lo para iniciar o sono.

Como já pontuado, dois tipos de células são responsáveis pela produção de melatonina: pinealócitos e células enterocromafins. Os pinealócitos estão localizados na glândula pineal dentro do cérebro. As células enterocromafins estão localizadas na superfície de todo o trato gastrointestinal (GI), com altas concentrações no revestimento mucoso do trato GI. Os pinealócitos são afetados por claro e escuro; a exposição à luz suprime a produção e liberação de melatonina do pinealócitos, enquanto a escuridão (quando registrada pela retina) aumenta a produção de melatonina e liberação na corrente sanguínea começando com os vasos no cérebro. Dos vasos sanguíneos no no cérebro, a melatonina é transportada para outros tecidos do corpo. Estima-se que as células enterocromafins do intestino contêm mais de 400 vezes a quantidade de melatonina do que o que é produzido pelos pinealócitos. Os níveis de melatonina intestinal podem ser de 10 a 100 vezes maior que a melatonina nos níveis séricos sanguíneos.

Ao contrário dos pinealócitos, as células enterocromafins não são reguladas pela luz e pela escuridão, mas parecem ser afetas pela ingestão de alimentos e digestão. Ainda permanece especulativo de como a melatonina produzida pela pineal e a derivada no intestino se inter-relacionam, se há algum eixo de crosstalk, e como diferentes padrões alimentares ou mesmo alimentos específicos, jejum, dietas ou horários das refeições (crononutrição) podem alterar os níveis sistêmicos de melatonina.

Sabe-se que a melatonina produzida no intestino tem propriedades anti-excitatórias no intestino, aumenta a produção de gastrina e a motilidade do sistema GI. Investigações sobre a microbiota intestinal identificou influências microbianas no metabolismo serotoninérgico e sistemas melatonérgicos.

O quadro mais amplo da saúde mental, especificamente a depressão, tem sido correlacionada com baixos níveis de serotonina, assim baixos níveis de melatonina também parecem ter uma conexão significativa. Níveis baixos de melatonina podem desencadear uma regulação positiva na via da quinurenina bem como ativar o receptor de aril-hidrocarboneto (AhR) localizado na membrana externa das mitocôndrias. A ativação do AhR suprime a produção endógena de melatonina pineal.

A melatonina é derivada da serotonina usando 5-hidroxitriptofano (5-HTP) e triptofano. O triptofano está envolvido principalmente na via melatonina-serotonina e na via quinurenica. A via melatonina-serotonina é responsável por aproximadamente 5% da degradação do triptofano da dieta, enquanto a via quinurênica é responsável por aproximadamente 95% da degradação do triptofano na dieta. A via quinurênica é um processo essencial necessário para converter o triptofano em nicotinamida adenina dinucleotídeo (NAD+) para energia celular. Embora as vias do triptofano estão envolvidas em processos separados, acredita-se que uma via impacta a outra.

O exercício aumenta a atividade da via serotonina-melatonina aumentando os níveis de serotonina e melatonina e afetando o humor e a cognição. Por outro lado, a inflamação aguda ou crônica e o estresse aumentam a atividade da via da quinurenina, levando a um aumento na conversão do triptofano a quinurenina. A quinurenina é um subproduto ou metabólito produzido quando o triptofano é convertido em niacina. Altos níveis de concentração de quinurenina no cérebro estão presentes em casos de depressão. A quinurenina é então convertida em ácido quinurênico ou ácido quinolínico. O ácido quinolínico é uma neurotoxina, enquanto o ácido quinurênico tem propriedades neuroprotetoras.

As principais situações clínicas para a utilização da melatonina estão resumidas abaixo:

Sistema Nervoso Central: modulação do ritmo circadiano, distúrbios do ciclo sono-vigília, distúrbios de sono, condições cognitivas, como demência, enxaquecas e dor de cabeça, zumbido no ouvido, transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), autismo, distúrbios oculares (por exemplo, glaucoma);
Sistema Cardiovascular: hipercolesterolemia, hipertensão, síndrome metabólica, disfunção endotelial;
Sistema Reprodutor: pré-eclâmpsia, fertilidade, endometriose, síndrome do ovário policístico;
Sistema Gastrointestinal: refluxo gastresofágico, úlceras, síndrome do intestino irritado;
Sistema Musculoesquelético: osteopenia e disfunções mitocondriais do músculo esquelético;
Sistema Imune: condições autoimunes (esclerose múltipla, tireoidite de hashimoto), coronavírus (covid-19), estresse oxidativo do exercício, estresse oxidativo por carga excessiva de toxinas ambientais, câncer (quimiopreventivo e como adjuvante ao tratamento, dependendo o tipo de câncer e o indivíduo)
Originalmente, toda a melatonina era derivada da glândula pineal de vacas, ovelhas ou porcos. No entanto, trinta anos atrás, com o desenvolvimento da melatonina sintetizada quimicamente (“melatonina sintética”), houve uma mudança dramática para a melatonina sintética devido à sua relação custo-benefício e preocupações de segurança sobre a melatonina derivada de animais. Embora as plantas contenham naturalmente melatonina (fitomelatonina), seus níveis são extremamente baixos, dificultando a obtenção de melatonina suficiente para doses terapêuticas.

Há uma variedade de formatos de suplementos de melatonina disponíveis, e cada um precisa ser individualizado às necessidades de cada pessoa. Vários formatos mais novos estão sendo desenvolvidos para otimizar a entrega, embora apenas a administração oral seja considerada um suplemento dietético nos EUA e no Brasil. No Brasil temos ainda a limitação da dose diária que é de 0,21 mg (210 mcg) por dia. O suplemento de melatonina pode se degradar na presença de ar e luz, assim embalagens blister com barreira de oxigênio minimizam a exposição preservando a estabilidade do suplemento.

Há muito debate sobre os níveis de dose adequados. Considere a segurança além de eficácia para a condição clínica para a qual está sendo utilizado em um paciente, bem como a duração do uso, seja dose baixa, curto prazo ou dose alta, longo prazo. As doses fisiológicas ficam entre 0,3 e 1 mg. Doses supra fisiológica para uso ocasional é ao redor de 3 mg.

Fonte: Minich, D.M.; et al. Is Melatonin the “Next Vitamin D”?: A Review of Emerging Science, Clinical Uses, Safety, and Dietary Supplements. Nutrients, 14, 3934, 2022.

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