Microbiota Intestinal e Absorção de Micronutrientes

A deficiência de micronutrientes é capaz de afetar negativamente o organismo, piorando quadros de infecção e doenças crônicas não transmissíveis, como de câncer, osteoporose, doença cardiovascular e hipotireoidismo, levando à redução da qualidade de vida e o aumento da morbimortalidade. A deficiência de vitamina D, por exemplo, pode resultar no desequilíbrio das respostas do sistema imune em adultos, gerando maior propensão ao desenvolvimento de doenças autoimunes, sendo sua função devido à modulação da expressão de peptídeos antimicrobianos e sua proteção à integridade e recuperação da barreira epitelial da mucosa.

Todavia, a suplementação de alguns micronutrientes não é sempre recomendada pela literatura devido consequências negativas geradas no indivíduo, como a suplementação de ferro que proporcionou maior incidência de gastrite, náuseas, constipação e sabor metálico e de vitamina A, de maiores fraturas dos ossos. 

Sabe-se também que diversos componentes intrínsecos e extrínsecos são capazes de determinar a biodisponibilidade dos nutrientes e o status deste no hospedeiro, mesmo que estejam sendo suplementados em caso de deficiência.

Nesse sentido, a microbiota intestinal é um dos influenciadores desta biodisponibilidade, sendo conhecida pela sua interação de eixo bilateral com os componentes da dieta, influenciando o metabolismo e absorção destes à medida que possui sua composição e estrutura funcional impactados por esta dieta, utilizando os nutrientes como fonte de crescimento e energia para o funcionamento biológico.

As bactérias comensais que compõem esta microbiota apresentam uma forte influência nos níveis de micronutrientes no organismo devido influência que exerce na absorção e síntese de alguns nutrientes, como da vitamina K e biotina.

Por isso, estratégias focadas na microbiota intestinal, como o uso de probióticos, prebióticos e pós-bióticos, podem promover o equilíbrio dos micronutrientes no organismo e consequentemente, a redução de doenças associadas a deficiências nutricionais e contribuir para a melhora da saúde, evitando o uso desnecessário de suplementos.

A suplementação de vitaminas, como B, C, D e E promove a colonização e consequente expansão de bactérias benéficas do tipo Bifidobactérias, Lactobacillus e Roseburia na mucosa intestinal. Já as bactérias do tipo Bacteroides e Enterococcus estiveram relacionadas à síntese de vitaminas hidrossolúveis, principalmente, mas também de vitamina K. A vitamina C, capaz de aumentar a biodiversidade da microbiota e de ácidos graxos de cadeia curta, foi afetada pela diminuição da transcrição de seus transportadores causados pelo aumento de lipopolissacarídeos no intestino. Já a vitamina B3 esteve relacionada à expansão de Bacteroidetes.

 

As vitaminas lipossolúveis, por sua vez, não são sintetizadas pelas bactérias do intestino, mas estão grandemente associadas a estas, como a importante interação entre a vitamina D e bactérias L. reuteri que apresentam propriedades terapêuticas. Além disso, níveis adequados desta vitamina relacionaram-se com abundância de Firmicutes phylum. 

A ingestão de vitamina E esteve associada à produção de ácidos graxos de cadeia curta e maiores quantidades de Akkermansia, Lactobacillus, Bifidobacterium e Faecalibacterium. Todavia, um aumento de sua absorção foi observado em um estudo feito em animais após o uso de antibiótico, mostrando sua possível degradação por estas bactérias.

Já os minerais também apresentam influência, como o cálcio capaz de aumentar a proporção de Clostridium cluster XVIII e o zinco de aumentar a diversidade bacteriana e de ácidos graxos de cadeia curta, reduzindo marcadores de inflamação e melhorando a conexão do eixo intestino-cérebro. 

Um estudo realizado observou o aumento significativo de zinco após sua suplementação juntamente com Lactobacillus plantarum. Assim sendo, o uso de probióticos L. plantarum, Lactobacillus acidophilus, Bifidobacterium infantis e Bifidobacterium lactis em conjunto com prebióticos do tipo frutoolissacarídeos podem levar ao aumento dos níveis de zinco no organismo.

Já o magnésio apresentou influência benéfica em sua biodisponibilidade de bactérias e probióticos do tipo Lactobacillus spp. após o consumo de queijos e leites vegetais e em contrapartida, impactou o metabolismo da vitamina B1 e D em pacientes com comorbidades, como diabetes mellitus tipo 2, obesidade e síndrome metabólica.

A literatura mostra também que a suplementação de ferro é capaz de reduzir bactérias benéficas, como as Bifidobactérias e os Lactobacillus e aumentar, de forma proporcional, as bactérias patogênicas por meio do aumento de metabólitos tóxicos ou de síntese de flagella e de proteínas que se ligam aos ácidos graxos, as quais agem como marcadores do dano epitelial e levam a maior suscetibilidade de invasão epitelial promovendo o estado inflamatório.

Ainda nesta interação microbiota-nutrientes, a microbiota pode produzir enzimas que serão responsáveis pela liberação dos nutrientes de suas matrizes alimentares, aumentando assim sua biodisponibilidade, como a fitase que libera, por meio da hidrólise do componente ácido fítico, minerais inorgânicos, como cálcio, fósforo, ferro e magnésio.

Há melhora da absorção de nutrientes, como de ferro, por meio dos ácidos graxos de cadeia curta, os quais são produzidos pela fermentação destas mesmas bactérias presentes na microbiota intestinal. Estes ácidos graxos melhoram o transporte transepitelial por meio da maior solubilidade gerada devido à redução do pH do intestino promovido por estes.

Além disso, aumento na produção de bactérias do tipo Clostridium spp. produtoras de butirato e acetato tem sido encontrado em estudos recentes através da suplementação de cálcio e fósforo, os quais podem criar um complexo que permite a ligação da bile e ácidos graxos, resultando na alteração da microbiota.

Tendo isso em vista, uma dieta que promove a manutenção do perfil microbiano com baixos níveis de lipopolissacarídeos e altos de ácidos graxos de cadeia curta e vitaminas pode resultar em benefícios quanto a biodisponibilidade e absorção dos nutrientes.

Fonte:  Barone M, D’Amico F, Brigidi P, Turroni S. Gut microbiome-micronutrient interaction: The key to controlling the bioavailability of minerals and vitamins? Biofactors. 2022 Mar;48(2):307-314.

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