Redefinindo as estratégias para tratamento da deficiência de ferro em atletas

O ferro é um nutriente essencial na dieta devido sua participação em diversos mecanismos no organismo, principalmente na síntese de hemoglobina, responsável pelo transporte de oxigênio. Dessa forma, a ingestão deste nutriente pelos atletas é muito importante visto o impacto negativo gerado na produção de energia aeróbica diante de sua carência.

Esta deficiência de ferro incide de 15 a 35% nas mulheres e de 3 a 11% nos homens, ambos atletas e pode começar a partir de uma deficiência de ferro não anêmica, quadro que envolve hemoglobinas saudáveis, mas níveis de ferro abaixo do adequado e progredir para um estado mais severo, como a deficiência de ferro anêmica, na qual os estoques e transportadores de ferro foram depletados e são incapazes de suprir a demanda da síntese de hemoglobina. Sendo assim, os sintomas mais ocorrentes são letargia, fadiga e a redução da capacidade de trabalho, da realização e adaptação aos treinos e da performance. Este fato foi observado em um estudo com praticantes de endurance, os quais após 3 semanas de exercício intenso e o consumo de 13 a 18mg de ferro por dia, ainda apresentaram 25 a 40% menos ferritina total.
Dessa maneira, os atletas, principalmente os praticantes de múltiplas sessões de treino de longa duração por dia, são mais suscetíveis a esta deficiência no organismo devido uma junção de fatores, sendo dois deles a maior demanda pelo bom funcionamento do mecanismo de transporte de oxigênio dependente de ferro devido às adaptações do organismo aos treinos e à perda deste mineral pelo organismo através do exercício, como por meio do suor, sangue na urina e sangramentos gastrointestinais, os quais de forma acumulativa se expressam e impactam a saúde do atleta.

Além do mais, sabe-se que a demanda de ferro pelo atleta é maior comparado aos indivíduos sedentários devido ao impacto do exercício físico no mecanismo de absorção e utilização deste nutriente, além de que as estratégias de dietas hipocalóricas realizadas de forma intencional ou não podem reduzir a oferta de ferro por meio da alimentação e desenvolver a Deficiência Relativa no Esporte (RED’s), o qual gera, entre outras disfunções, a diminuição da taxa deste nutriente no organismo; a adesão por dietas vegetarianas, sendo observada em 33% dos atletas, excluindo a ingestão de alimentos de origem animal e consequentemente, do ferro heme, o qual é mais biodisponível ao organismo e a monotonia alimentar relatada, fatores determinantes para o desenvolvimento da deficiência de ferro.

Já um dos principais desafios vistos pelos atletas para combater e prevenir este risco é a interação entre o hormônio hepcidina, o exercício e a absorção de ferro pelo organismo, a qual dificulta a realização de estratégias somente através da dieta alimentar. A inflamação provocada pelo exercício físico, sendo tanto em endurance quanto em exercícios resistidos, estimula o hormônio hepcidina, o qual supri a absorção de ferro pelos enterócitos do duodeno após 3 a 6 horas de sua prática, resultando em uma recuperação inadequada dos estoques de ferro durante este período.

Entretanto, um estudo relatou que a ingestão de 60mg de ferro permitiu a redução de 35 a 45% de sua absorção nas seguintes 24 horas, demonstrando que não somente a inflamação, porém a própria ingestão de ferro aumenta os níveis deste hormônio, desenvolve um ciclo de bloqueio de absorção na mucosa intestinal e gera desconfortos gastrointestinais pela permanência do nutriente no intestino.
Nesse sentido e juntamente após a análise do resultado positivo de um estudo quanto ao aumento da tolerância intestinal na suplementação de 100mg de ferro ao invés de 200mg em 40% das mulheres atletas, recomenda-se que a dosagem seja realizada em dias alternados, diminuindo a influência do nutriente na parede do intestino e melhorando os desconfortos, além de possuir melhor custo-benefício aplicado na prática.

Ainda assim, observou-se que a administração de doses duplas diárias resultou na maior liberação de hepcidina comparada à dose única, impactando de forma mais extensa a absorção de ferro e que a quando realizada após o exercício físico matutino, permite melhor resultado. Portanto, o ‘timing’ ideal para maximizar a absorção de ferro pelo organismo do atleta é realizar, pela manhã, sua ingestão 30 minutos após o exercício.

Esta ingestão de ferro pode ser feita através da alimentação ou da suplementação oral. Nos alimentos, o ferro é encontrado em forma de ferro heme, o qual é de 15 a 35% absorvido e presente em alimentos de origem animal, como em 100g de fígado de frango – 11mg ou na forma de ferro não heme, o qual pode ser encontrado em alimentos de origem vegetal, como em 100g de tofu – 3mg, porém é menos biodisponível, por causa dos compostos fenólicos, polifenóis, taninos, cálcio, zinco e magnésio encontrados em grãos integrais, leguminosas, oleaginosas, chás e cafés, os quais interferem na absorção do ferro.

Diante deste fato, destaca-se o consumo de cálcio juntamente com fontes de ferro pelos atletas. O consumo de leite como pós-treino objetivando aumentar a síntese proteica muscular, a hidratação e a ressíntese de glicogênio, atenuando dores musculares tem sido uma estratégia alimentar utilizada por esse grupo de esportistas. Todavia, doses de 40 a 300mg de cálcio, correspondente a 250 ml de leite, reduzem de 39 a 74% a absorção de ferro pelo organismo. Porém, se a ingestão for realizada com 50mg de vitamina C encontrada em frutas cítricas, carotenoides e alimentos fermentados, como na laranja, abóbora e missô, respectivamente, aumenta-se a absorção de ferro não heme, beneficiando sua reposição no organismo.

Já através da suplementação oral, recomenda-se a ingestão de 100mg de sulfato ferroso por dia, o qual resulta em um aumento de 30 a 50% de ferro durante um período de 6 a 8 semanas. Já em atletas com deficiência de ferro, deve-se ingerir de 60 a 120mg por 2 meses, observando os sintomas de tolerância gastrointestinal. Sabe-se que a suplementação oral é a mais indicada para praticantes de endurance visto que aumentar o consumo de proteína durante a implementação de uma dieta rica em carboidrato e baixa em lipídeo, realizado por eles, é mais difícil.

Além do mais, o sulfato ferroso é o mais utilizados na prática clínica devido seu custo-benefício e por ser 3 vezes mais biodisponível que as demais preparações de ferro férrico. Entretanto, seu uso passou a ser limitado devido aos efeitos colaterais desenvolvidos, como dores, náusea, vômitos, distensão abdominal, constipação e diarreia. Porém, mesmo diante destes sintomas, este suplemento possui 80% da adesão dos atletas por buscarem a melhora da performance física através de seu consumo. Ainda, os aminoácidos de ferro quelados e os complexos de ferro-polissacarídeo são estratégias plausíveis, enquanto o ferro ligado a estrutura lipofílica quelada e o bisglicinato ferroso possuem boa biodisponibilidade, porém podem desenvolver efeitos colaterais e serem mais caros.

Tendo em vista o desconforto abdominal, estratégias de suplementação intramuscular e intravenosa foram desenvolvidas e atuam de forma a entregar um rápido fornecimento de ferro, aumentando os estoques em 7 a 15 dias, principalmente nos casos mais severos, como os de deficiência de ferro anêmica. Porém, não atua na capacidade aeróbica e na performance em exercícios de endurance, mas na fadiga e humor por meio da administração de 300mg por 4 semanas, como relatado em corredores. Já a estratégia mais recente, a suplementação de ferro transdérmica, é capaz de entregar o ferro através da pele, impedindo a ocorrência de efeitos colaterais. Por outro lado, este método permite a liberação de átomos de ferro livres no sangue, culminando no estresse oxidativo e na desnaturação das proteínas do plasma, com exceção do pirofosfato férrico, considerado a melhor forma a ser utilizada para este procedimento.

Portanto, recomenda-se a prescrição do suplemento oral de 100mg de ferro diariamente durante a manhã ou de 60mg ou 100mg em manhãs alternadas. Caso os atletas apresentem sintomas e não estejam respondendo de forma efetiva a este tipo de suplementação, deve-se investir no tratamento intravenoso, sendo necessário o acompanhamento do atleta após 6 meses de tratamento, buscando a prevenção e o tratamento da saúde deles, principalmente dos que possuem a deficiência de ferro.
Importante salientar que o máximo permitido, ao profissional nutricionista, para a prescrição da suplementação oral de ferro é de 45mg.

Fonte: MCCORMICK, R. et al. Refining treatment strategies for iron deficient athletes. Sports Medicine, v. 50, p. 2111-2123, 2020.

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